Minha mãe não me criou para ser boazinha!
Me criou para ser forte com doçura.
E não é só piada de família. Ao longo da vida, ouvi tantas vezes essas expressões que elas acabaram se tornando quase parte da minha identidade.
“A Denise é uma princesa.”
“Você é um anjo na minha vida.”
Na semana passada, na primeira conversa com alguém novo, ouvi de novo: “Você é um anjo.” E, essa semana, enquanto organizava uma festa, escutei: “A Denise é linda, uma lady.” E sim… isso é recorrente.
Mas o que pouca gente entende é que esse título não veio do nada.
Não tem a ver com aparência. Tem a ver com comportamento.
Foi construído — dia após dia — com disciplina, valores, e amor .
Na minha casa, educação não era só sobre dizer “por favor” e “obrigada”.
Era sobre saber se portar. Sentar-se direito. Comer com atenção.
Era saber visitar alguém... e saber a hora de ir embora.
Minha mãe nos educava nos detalhes.
Corrigia nossa postura à mesa. Corrigia nosso vocabulário. Cuidava da alimentação, do sono, do corpo e da alma. Pode parecer pouco, mas é aí que mora a diferença.
Falava sobre espiritualidade como quem cuida de um jardim: com constância e leveza.
A gente tinha rotina, sim. Mesa posta nas refeições, tempo limitado nas telas, horários certos pra estudar. Até quadro de tarefas domésticas na parede.
Mas junto com essa estrutura, havia liberdade.
Liberdade pra brincar na rua, visitar os amigos, me perder entre os livros na biblioteca — meu cantinho favorito.
Lembro das festas animadas em casa, dos churrascos com cheiro de infância, das noites de pijama cheias de risadas com as amigas.
Eu andava de bicicleta, skate, patins, jogava bola. Crescendo, veio o arvorismo, paintball, kart... E os brinquedos mais radicais do parque? Eu encarava sem medo.
Porque lá em casa, disciplina nunca foi sinônimo de medo de rigidez.
Era amor com estrutura.
E é aí que mora a beleza: quando a disciplina não aprisiona, mas prepara.
Quando a liberdade não desorganiza, mas floresce dentro de um terreno fértil.
Sim, elas podem — e devem — caminhar juntas.
Quando pequena, lembro-me que meus pais tinham comércio. Viviam na correria.
Mas a casa, ah… a casa era cheia de cuidado.
Minha mãe contratava gente pra limpar, pra cuidar de nós quando não podia — mas nunca nos deixou sozinhos. Nunca fomos invisíveis. Presença, afinal, não se mede em tempo. Se sente no cuidado.
Amigos diziam: “Eu queria morar na sua casa.”
E eu entendia o porquê. Meus pais exerciam disciplina, sim — mas com amor.
Corrigiam... mas abraçavam logo depois. E isso molda caráter de um jeito que nenhuma instituição ensina.
Eles não me deram uma infância de aparências.
Me deram uma vida com raízes.
Não , minha vida não foi um conto de fadas.
Eles não foram à minha troca de faixa no caratê — e eu me lembro bem daquele evento no centro esportivo, todos com seus pais na plateia... Também não foram ao campeonato assistir à minha competição.
Na minha formatura do magistério também não estavam, na minha apresentação de balé também não. E ainda assim… eu nunca me senti sozinha.
E sim, eu poderia focar na falta, na ausência.
Mas escolho olhar para tudo o que recebi — e foi tanto.
Recebi mais presença do que ausência. Muito mais.
Eles estavam lá.
Na minha formatura da faculdade, no dia em que disse "sim" no altar, no meu batismo.
Aplaudiram de pé nas minhas primeiras apresentações — cantando, tocando, encenando, dançando...
Foram os primeiros a ver meus passos, os primeiros a ouvir minhas palavras.
Porque nunca precisei de creche. Eles estavam comigo.
Presentes nos momentos grandes, mas também nos detalhes que ninguém vê.
E é isso que fica: a certeza de que fui acompanhada, amada, celebrada.
Não pela perfeição, mas pela presença.
E sempre que eu precisei... eles estavam lá. Com abraço, com silêncio, com olhar.
Lembro das tardes pulando corda com minha mãe, jogando bola com meu pai.
Das risadas na cozinha enquanto cozinhávamos juntas. Dos jogos de cartas e tabuleiro que rendiam horas de conversa e aprendizado — uma espécie de terapia disfarçada de brincadeira.
Dos filmes assistidos todos juntinhos no sofá, como se o mundo lá fora não existisse.
Das músicas cantadas na varanda, das conversas que atravessavam o tempo e das gargalhadas que ainda moram em mim.
E entre uma brincadeira e outra, entre uma receita e um abraço, vieram os conselhos...
Aqueles que a gente não entende na hora, mas que um dia viram bússola.
Essas são as lembranças que criam raiz. Que me sustentam, mesmo quando tudo parece balançar.
Tenho memórias vívidas da minha mãe… Lendo, estudando, mergulhada em livros sobre saúde, nutrição e bem-estar. Com um conhecimento quase intuitivo sobre alimentos e o poder de uma alimentação saudável. Lembro do cuidado com que fazia as unhas, arrumava o cabelo, aplicava máscaras no rosto — não por vaidade, mas como um ritual de amor-próprio. E o mais bonito: ela cuidava da alma com a mesma dedicação com que cuidava do corpo.
Sempre admirei o zelo com que ela nutria os vínculos da família. O amor genuíno pelos pais, o respeito profundo pelos irmãos, a forma como cultivava esses laços com presença, com intenção, com coração.
E algo que nunca me sai da memória: a generosidade silenciosa dos meus pais. Sempre prontos a estender a mão, sem esperar nada em troca, sem holofotes, sem medalhas — só por fazer o bem.
Foi assim que eu aprendi: Crianças não aprendem com discursos. Elas absorvem gestos. E foram os gestos deles que me ensinaram a ser quem sou.
Construímos memórias em viagens, em eventos, nas visitas à casa de amigos e familiares... Mas, principalmente, nas pequenas coisas.
E foram justamente essas pequenas coisas que moldaram quem eu sou.
Hoje, quando alguém diz que pareço um anjo ou uma princesa, eu sorrio por dentro. Porque sei que isso tem muito menos a ver comigo... E muito mais com quem me criou.
Com meu pai, aprendi a amabilidade, a presença que acolhe, a reciprocidade que toca a alma — qualidades de um verdadeiro anjo. Com minha mãe, herdei a firmeza, a ousadia e o amor-próprio de uma rainha que nunca abaixou a coroa.
Essa semana é Dia das Mães. Mas, pra mim, não é só um domingo de maio. É todo dia.
Porque ser mãe não é sobre o que se faz. É sobre o que se é.
E a minha? A minha é tudo. Minha rainha.
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